segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Angola – Ame-a ou deixe-a

PARTE IV

Cheguei a Luanda pela primeira vez em fins de 1972, nessa altura já os meus olhos estavam abertos há cerca de dois anos, entre outras coisas abertas com o mesmo tempo, contudo e apesar dessas aberturas ainda não percebia patavina do k os homens tentavam fazer do mundo, fui tentando perceber muito lentamente para não ofender ninguém. O k mais depressa aprendi foi k as pessoas são realmente diferentes e a mesma pessoa pode ser diferente várias vezes ao longo da sua vida, e então passei mesmo a não tentar compreender ninguém porque ficava ofendidíssimo quando afinal descobria k aquela pessoa k eu já compreendia de repente já não conseguia compreender mais, ela tinha mudado, passara a ser uma pessoa diferente. Agora continuo a gostar de olhar para toda a gente mas só me tento compreender a mim, e é essa a principal razão do regresso a Luanda em 2009 e o querer descobrir mais deste imenso território k é Angola, k é no fundo descobrir um bocado mais de mim também.
Consegui viajar até ao Huambo, Benguela e Lobito, cidades já livres da guerra civil angolana k só terminou oficialmente em 2002, após a morte de mais um homem, depois de milhares terem também vivido e morrido com ou sem armas na mão, o homem era Savimbi, o senhor k não conseguiu viver longe do mato e nesse mesmo mato foi morrer.
Nestas cidades não pisei nenhuma mina nem dei de caras com nenhum militar mais desagradável, apesar de saber k durante os sangrentos conflitos de 1992 até os jardins da cidade do Huambo estavam minados. Nesse ano em dois meses de combate, dentro da cidade, destruiu-se e matou-se como só o homem sabe fazer, e no fim dos conflitos já crianças brincavam nesses mesmos jardins por entre as bandeiras k assinalavam a presença de minas. Agora já não se sente essa presença da morte, pelo contrário, senti que estou mesmo num país em reconstrução e uno, a passos largos de uma modernidade que se viveu na Europa nos anos 70 e em Portugal no fim dos anos 80, desenvolvimento tecnológico, estradas, pontes, casas, prédios, barragens, tudo se está a fazer e tudo está a crescer.
No Lobito acampei à beira mar durante uma semana e durante esse tempo, todas as minhas bicuátas (objectos, utensílios) ficaram à porta da tenda sem nunca ninguém se ter atrevido a mexer ou a roubar, mesmo que ninguém ali estivesse a guardar as coisas, como acontecia todas as noites quando saía para ir viver a noite do Lobito ou de Benguela. Nessa mesma encantadora restinga do Lobito tive o vislumbre do que foi a ilha de Luanda trinta anos atrás, quando eu ainda era um pequeno rapaz que não sabia ler nem escrever, a pescaria que se fazia na baía, os piqueniques onde várias famílias se reuniam desde a manhã até altas horas da noite, com as crianças o dia todo na água a aprender a nadar ou simplesmente nos seus jogos de crescimento. Tudo o que se viveu em termos de sociabilização no período pós-independência na ilha de Luanda consegue-se ainda hoje viver na restinga do Lobito, salvo as conversas, k nestes tempos são outras.
Benguela, com o seu porto de escravos, é hoje uma cidade de marcada memória colonial em termos arquitectónicos, com os seus palácios, igrejas e casas a manter viva a história do que não se deve repetir, não na arquitectura mas sim na forma como se obteve o dinheiro para essa arquitectura, para nunca mais ninguém sofrer o que os antepassados, e muitos ainda vivos, sofreram nas mãos de quem só pensa no vil metal seja pelo tráfico de escravos seja pela posterior colonização moderno-ó-violenta. A cidade das acácias rubras só precisa de flores, de muita paz e de verdadeira fraternidade entre todos, não precisa de exploradores nem de construções ou de explorações agrícolas à custa do sangue de muitos companheiros. Como disse Agostinho Neto numa universidade da Nigéria em Janeiro de 1978: …Uma das consequências da falta de liberdade é o subdesenvolvimento económico, científico, técnico e cultural. Os países explorados tornaram-se economicamente débeis e em muitos casos, lançados numa situação caótica que os obriga a retomar ou a continuar a sua dependência dos outros países mais desenvolvidos. Libertar é transformar pela violência uma ordem social estabelecida por minorias. E por isso mesmo libertar uma sociedade, é fazer a revolução. É preciso libertar o Homem não só do esclavagismo colonial, mas ainda de qualquer forma de dominação social no interior de cada país. Nenhuma classe deve poder explorar outra…
O Huambo, a cidade dos cupapatas, deve explorar o seu gosto por tudo o que tenha rodas, pois está bem viva a paixão pelos desportos motorizados de duas e quatro rodas, como nunca vi em lado nenhum deste país. Organizam-se provas com grande frequência e assistência, às vezes até particulares com ou sem a anuência das autoridades, é uma cidade plana onde se pode também incentivar o uso da bicicleta já que também a temperatura ajuda muito, nunca estando muito quente nem muito frio. O trânsito é bastante policiado o que facilita a calma nas estradas apesar de muitos apaixonados das motas abusarem da velocidade, mas diga-se em abono da verdade todos eles respeitadores dos semáforos, coisa que não vejo em Luanda.
Em relação a Luanda vou falar das pessoas que agora cá vivem não vou falar do desenvolvimento tecnológico nem de infra-estruturas porque é óbvio que está a crescer nesses campos, é notório mesmo para quem cá chegue pela primeira vez, é guindastes por todo o lado, buraco sim buraco não nos passeios e estradas, estradas largas com duas ou mais faixas para cada lado, arranha céus a nascer por todo o lado, condomínios para meninos ou homens ricos, internet e telecomunicações a funcionar muito bem para um país que à meia dúzia de anos atrás ainda nem caixas multibanco tinha, bolsa de valores em fase de inauguração, enfim é mais do que certo que ninguém está enganado se disser que Angola se está a desenvolver e, com falhas graves em alguns domínios, o tem feito a meu ver bem.

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